Os espaços do Capitalismo Global: empresas varejistas, uso do território e transformação urbana no Brasil

OS ESPAÇOS DO CAPITALISMO GLOBAL: EMPRESAS VAREJISTAS, USO DO TERRITÓRIO E TRANSFORMAÇÃO URBANA NO BRASIL1

THE SPACES OF GLOBAL CAPITALISM: RETAIL COMPANIES, TERRITORY USE, AND URBAN TRANSFORMATION IN BRAZIL

Cláudio Smalley Soares Pereira2




1 Introdução

A compreensão da espacialidade humana ganhou novos contornos em termos analíticos nas últimas décadas. A ordem global de poder, as relações interestatais, bem como a crise do fordismo-keynesiano e a emergência do neoliberalismo e da financeirização encabeçados por Reagan e Thatcher tornaram-se alvo de estudos sistemáticos. A teoria da localização, preferida dos geógrafos na década de 1960, foi enfaticamente criticada, juntamente à descrição clássica e ao significado a-histórico dos processos e dinâmicas que a "revolução quantitativa" insistia em abraçar. A Geografia despertara para a reflexão crítica do mundo social. A globalização tornou-se, com isso, progressivamente, um tema do momento, sobretudo durante os anos 1990, após o fim da Guerra Fria, mediante um conjunto de processos que envolveram e ainda envolvem diferenciações geográficas de controle do trabalho, mão de obra, espaços de produção, troca e consumo e dos arranjos institucionais, além do processo urbano.

Se olharmos para o Brasil, um país em que as transformações econômicas, sociais e políticas, nas duas primeiras décadas do presente século, foram bastante turbulentas e contraditórias, e para o mundo nas últimas quatro décadas, veremos que progressivamente o consumo se tornou de fundamental importância para a compreensão do capitalismo e da urbanização no país. O presente artigo situa-se, do ponto de vista temporal, neste contexto.

O atual cenário de crise é produto de "rodadas de neoliberalização" (BRANDÃO, 2017) das últimas décadas que se sucederam em múltiplas escalas espaciais. Essas rodadas de neoliberalização reverberaram na "formação socioespacial brasileira" (SANTOS, 1996) impactando a organização da divisão territorial do trabalho, a divisão urbana e regional do país e a maneira em que as cidades e regiões se dinamizaram.

O crescimento econômico galgado durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), do Partido dos Trabalhadores (PT), apoiado no boom das commodities, na redução das desigualdades sociais3, no crescimento de postos de trabalho, na ampliação dos salários mínimos acima da inflação e na redistribuição de renda por meio de políticas sociais caracterizam um momento importante da economia nacional. O consumo4 cresceu fortemente num contexto de perda de importância econômica da industrialização nacional, de ampla valorização financeira, exploração de recursos naturais e de crescente urbanização cada vez mais território adentro.

No período compreendido entre 2003 e 2013, os segmentos do varejo que mais se beneficiaram, segundo a Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (2019), foram os eletroeletrônicos, móveis, telefonia e informática. Nesse período, "o crédito de consumo destinado a pessoas físicas no Brasil passou de 5,8% para 14,6% do PIB" e "o varejo brasileiro [ficou] maior, mais competitivo, internacionalizado, moderno e maduro" (SBVC, 2019, p. 21-24). A ampliação do acesso ao ensino superior também é aspecto fundamental deste período5.

Nessa esteira de uma sociedade de consumo de massa crescente e do fortalecimento de um mercado interno com um mercado de trabalho mais robusto, o comércio varejista assumiu uma importância que permite compreender a produção do espaço tanto na escala urbana quanto nas escalas do Estado-Nação e do mundo. É nessa articulação que se situa a problemática do presente artigo. As transformações do capital comercial se expressam de maneira igualmente importante nas escalas da cidade e na dinâmica da urbanização. As relações entre urbanização, mundialização do capital e expansão do capital comercial varejista revelam muito sobre as dinâmicas do capitalismo em sua totalidade.

Neste artigo problematizam-se as relações entre os usos do território pelas empresas varejistas e as transformações urbanas. Compreendo aqui o território nacional como um espaço produzido socialmente, nos termos de Lefebvre (1978, 2000, 2012), objeto de intervenção e ação de diversos agentes sociais em conflito. Procuro argumentar que essa relação pode acontecer em contextos diversos e em situações particulares, envolvendo uma miríade de agentes sociais e forças endógenas e exógenas, mas a principal ideia que sustento se assenta na compreensão de que as cidades e a urbanização são realidades que expressam a dinâmica mais geral da acumulação do capital e da transformação da formação socioespacial sendo, portanto, resultados de processos socio-históricos, geoeconômicos e geopolíticos, como são, também, condição para o funcionamento relativamente estável do modo de produção e ainda para a irrupção e, em muitos casos, para crises.

Para exemplificar como a lógica do capital vem se articulando em múltiplas escalas e transformando a natureza da urbanização (parte um), destacarei a presença cada vez mais nítida e inconteste de ações das grandes empresas de capital internacional de varejo, desconcentradas territorialmente (parte dois), e presentes em múltiplas cidades de estratos urbanos diversos da rede urbana, algo que ocorre para além dos espaços metropolitanos (parte três). Para tanto, na parte final, utilizo exemplos retirados de outras pesquisas que realizei sobre duas cidades específicas, como demonstração das ideias e argumentos discutidos ao longo do texto6.

2 Geopolítica do capitalismo, globalização e urbanização

O cenário de mudanças estruturais e conjunturais do mundo social desde a década de 1970 vem sendo documentado em uma vasta literatura7. A economia global se tornou multipolar, num momento histórico de reconfiguração do mapa do mundo (BECKER, 1995; DICKEN, 2009). A Ásia, e particularmente a China, se destacam nesse contexto geoeconômico e geopolítico de reestruturação produtiva e nova divisão internacional do trabalho que se originou do último quartel do século XX, com um desempenho fundamental para a economia global em vários setores econômicos (DINIZ, 2019). O papel da China na absorção dos excedentes do capital, mediante pesados investimentos em infraestrutura no meio ambiente construído e urbanização após a crise de 2007-2008, é algo impressionante (HARVEY, 2020, p. 9-14; p. 337-343). Uma nova configuração do poder global emergiu com base na nova lógica geográfica da economia mundial e da produção do espaço.

Seguimos na mesma linha de Henri Lefebvre (1976), para quem o espaço abstrato do capitalismo tem características muito particulares próprias desse modo de produção; meio de produção; objeto de consumo; instrumento político – nisso o território nacional é considerado como um espaço produzido sob domínio, controle e poder político do Estado (cf. LEFEBVRE, 1978, 2000, 2012) –; e, por fim, resultado da luta de classes.

O capitalismo e o neocapitalismo produziram um espaço abstrato que contém o mundo da mercadoria, sua lógica e suas estratégias à escala mundial, ao mesmo tempo que o poder do dinheiro e aquele do Estado político. Este espaço abstrato se apoia sobre as enormes redes de bancos, de centros de compras, de grandes unidades de produção. E também sobre o espaço das autopistas, dos aeródromos, das redes de informação. Neste espaço, a cidade, berço da acumulação, lugar da riqueza, sujeito da história, centro do espaço histórico, explodiu (LEFEBVRE, 1976, p. 13).

Neil Smith (1988) buscou compreender a lógica teórica por trás da reestruturação do espaço geográfico promovido pelo capitalismo. A paisagem geográfica, bem como as dinâmicas entre múltiplas escalas espaciais, revelam um emaranhado de "coisas em desenvolvimento integrado" (desindustrialização, nacionalismos e xenofobia, migrações e caos urbano sistêmico, intensificação da urbanização, mudanças tecnológicas e na divisão internacional do trabalho etc.), as quais fazem parte da mutante geografia do capitalismo.

Os geógrafos têm sido muito atentos em considerar que o processo de globalização não se refere a uma integração total do planeta ou a uma anulação da geografia e do espaço. Ao contrário, a globalização se constitui como uma nova rodada de reorganização da paisagem geográfica pelo capitalismo, mediante "ajustes espaço-temporais", com a construção de infraestruturas de transporte, comunicações e estruturas territoriais em razão de facilitar a acumulação do capital. Trata-se, assim, de uma nova fase do processo de produção capitalista do espaço (HARVEY, 2006, p. 80-81), assentada em uma "compressão espaço-temporal" que, desigualmente, articula os diversos lugares (HARVEY, 2008). A globalização precisa ser entendida, desse modo, como diferenciação espacial e valorizações seletivas dos territórios e espaços (BECKER, 1995; SANTOS, 1996; DICKEN, 2009). Noutras palavras, a globalização diz respeito ao processo de desenvolvimento geográfico desigual (HARVEY, 2007; SMITH, 1988, 2007).

A acumulação capitalista tem uma geografia pela qual se desenvolve e se transforma. É daí que as diferenciações espaciais, bem como as desigualdades espaciais, regionais e urbanas, por exemplo, são produzidas, constituindo, assim, contradições do capitalismo que são socialmente construídas. Essas contradições se expressam espacialmente em um conjunto relacional e desigual de processos e relações de poder assimétricas (DICKEN, 2009).

Essas desiguais relações de poder na produção do espaço suscita a questão do uso do território. Nesse sentido, Santos (2011, p. 6) associa o uso do território à geopolítica; para ele são sinônimos. Essa ideia não se reduz à perspectiva da geopolítica das nações, ou mesmo das lutas interestatais que marcaram a estruturação do capitalismo ao longo da história. Penso que a compreensão da geopolítica como sinônimo do uso do território permite compreender a geopolítica clássica, convencional ou mais tradicional que se exerce no nível dos Estados-nação e possibilita incluir na análise uma geopolítica das empresas, na medida em que estas usam o território, produzindo espaço, hierarquias e diferenciações, desigualdades e diferenças, concentrações e dispersões, e divisões territoriais do trabalho no exercício dos seus poderes. Isso vai na direção da apropriação que Harvey (2007, 2011) faz da contribuição de Arrighi (1996) sobre a dialética entre a "lógica territorial do poder" e a "lógica capitalista do poder" para explicar a longa, intrincada e contraditória geografia histórica do capitalismo.

A "lógica territorial do poder" e a "lógica capitalista do poder", afirma Harvey (2007, p. 46; 2011, p. 166), operam no espaço e no tempo de formas distintas, mas articuladas. No plano da lógica territorial, estão em jogo "as estratégias políticas, diplomáticas, econômicas e militares mobilizadas pelo aparelho de Estado em seu próprio interesse". Nessa lógica, é o espaço tempo-absoluto que se sobressai com estratégias de "controlar e gerenciar as atividades da população no território e acumular poder e riqueza dentro das fronteiras do Estado". A lógica capitalista do poder "decorre do acúmulo de poder pelo dinheiro nas mãos de pessoas físicas e empresas em busca de um crescimento sem fim por meio de atividades lucrativas", isto é, "o poder do dinheiro flui por e dentro do espaço [relativo e relacional] e fronteiras na busca da acumulação sem fim" (HARVEY, 2011, p. 166).

De certo modo, no final da década de 1970, Lefebvre (2012 [1979]) levantou esse problema. O filósofo francês sustentou as articulações entre o econômico, o político e o social no contexto de um "modo de produção estatal" (o crescimento econômico a cargo do Estado constituído como um fenômeno mundial) e da "mundialização do Estado", ambos em franca relação e contradição com o mercado mundial (e com as companhias multinacionais). Importa notar, nesse sentido, o fenômeno da contradição entre o espaço produzido pelo Estado e o espaço produzido pelos interesses privados, sobretudo pelos interesses capitalistas, que seriam visíveis particularmente nas cidades (LEFEBVRE, 2012, p. 145).

A disputa entre as duas lógicas do poder e da produção do espaço configura a maneira pela qual a dinâmica contemporânea do modo de produção se efetiva. Mas é importante destacar que, ainda que essa disputa ocorra e possa ser vislumbrada em aspectos diferentes, nos quais uma lógica pode predominar em relação à outra, dependendo do contexto, parece consensual que, pelo menos desde os anos 1970, a lógica capitalista do poder vem se tornando predominante. A dominância do poder econômico e do capital financeiro, em particular, na organização da sociedade, da economia e da política, são os aspectos que melhor ilustram a preponderância da lógica capitalista do poder8.

Entretanto isso não significa dizer que a lógica territorial do poder tenha desaparecido, como se tem propalado a ideia dos fins dos Estados. Ora, se a circulação, a velocidade, a informação e as tecnologias ajudam a derrubar as fronteiras nacionais (as barreiras espaciais), logo os Estados não teriam mais o papel histórico que exerceram praticamente nos últimos quinhentos anos. Porém se observa que o Estado não desapareceu (ARRIGHI, 1996; BECKER, 1995; HARVEY, 2008; SANTOS, 1996; DICKEN, 2009). Na verdade, ele mudou de natureza. Não são mais, necessariamente, as guerras e as invasões territoriais que estão no foco das ações dos Estados contemporâneos9. Um exemplo bastante atual sobre a eficácia da lógica territorial do poder diz respeito a toda política direcionada para o combate ao novo coronavírus (COVID-19), quando a difusão espacial da contaminação ao redor do mundo obrigou os Estados a lançarem mão de sua força na regulação dos territórios com o fechamento de fronteiras, determinação do isolamento horizontal (em alguns lugares com mais força que outros) e fechamento dos comércios e modificando radicalmente a vida nas cidades.

A conclusão que podemos tirar disso é que, como Harvey (2011, p. 149) muito bem frisou, "os Estados tanto atrapalham quanto facilitam o movimento geográfico dos fluxos de capital", daí ser oportuno falar de uma nova configuração do "nexo Estado-finanças" (HARVEY, 2011, p. 47; p. 167), no que tange às relações, por vezes contraditórias, entre Estado e capital, referente a espaço-temporalidade do processo e acumulação e aos interesses, razões e intencionalidades subjacentes.

O exercício desse poder capitalista na configuração de territórios e lugares, bem como na divisão territorial do trabalho, das dinâmicas, dos fluxos e dos sentimentos e desejos neles engendrados, isto é, na produção do espaço, é, hoje, exercido com maior clareza e vigor e pelas grandes empresas e corporações. É aqui que uma geopolítica do capitalismo se desenha com maior nitidez, no entrelaçamento entre espaço, poder e política, emaranhados pelas ações e intencionalidades e produzidos pelos interesses por trás da reprodução do capitalismo.

Vejamos, agora, como essas lógicas se relacionam com o urbano e a urbanização ou a ela estão entrelaçadas. Smith (2007) e Harvey (2006) oferecem uma chave importante para a análise dos nexos entre o urbano na globalização. O primeiro afirma que "há sobreposição de arranjos regionais e internacionais que complicam as configurações urbanas" (SMITH, 2007, p. 20), enquanto o segundo sugere que o processo urbano desempenha um papel "na reestruturação um tanto radical em curso nas distribuições geográficas da atividade humana e nas dinâmicas político-econômicas do desenvolvimento geográfico desigual" (HARVEY, 2020, p. 152). Essas ideias merecem ser um pouco exploradas.

Em primeiro lugar, há um claro posicionamento a respeito da necessidade de se compreender os processos sociais como articulados escalarmente. Essas escalas, para lembrarmos, podem ser sucintamente compreendidas como escala urbana (aqui a escala regional também pode dela fazer parte), escala nacional e escala global. Embora possa parecer um tanto simplista, essa divisão triparte considera que os processos ocorrem articulando escalas, e não as excluindo. As escalas são produzidas e constituem parte essencial do processo de acumulação do capital. A reestruturação do capitalismo tem assim uma dimensão urbana, que se materializa, por exemplo, na forma em que a urbanização se apresenta nas cidades do capitalismo avançado, com processos de gentrificação10, mas também nas cidades dos países subdesenvolvidos e do capitalismo periférico, com a profusão de novas centralidades urbanas segmentadas segundo classes sociais distintas e as fraturas sociais da segregação e fragmentação urbanas.

Em segundo lugar, as duas colocações consideradas apontam para um processo que é acentuadamente desigual. Ora, se a reestruturação capitalista que ocorreu após a crise do final dos anos 1960 e início dos anos 1970 pode ser considerada como global, ela não foi, por isso mesmo, igual em todos os lugares. Nem no espaço nem no tempo, a reestruturação ocorre igualmente. É aqui que se concentra o processo de diferenciação espacial produzido pela ação humana numa sociedade de classes na sua relação intrínseca com a natureza. Na medida em que a sociedade está estruturada em hierarquias de poderes sociais, essa hierarquia se expressa na produção e organização do espaço. Numa sociedade desigual, o espaço é desigual.

Esses dois aspectos ajudam a compreender a sociedade urbana contemporânea. Se o espaço e o território são valorizados seletivamente de maneira estratégica e em variadas escalas geográficas, então a escala do urbano se torna, assim, efetivamente, alvo de estratégias políticas e econômicas de diversos agentes sociais e econômicos, sendo, em muitos casos, fonte de contradições, crises, conflitos que surgem de forma recorrente.

O urbano, nesse sentido, é considerado como algo relevante e que é capaz de revelar e explicar os fenômenos sociais em suas múltiplas dimensões e escalas. A urbanização é, enfatiza Lussault (2010), o horizonte do mundo. Visto que a urbanização se constitui globalmente, ao estar presente em diversos lugares – a "planetarização do urbano" (LEFEBVRE, 1989) – novas diferenças e desigualdades são produzidas, deixando evidentes as relações entre espaço, tempo e classes sociais. A segregação e a fragmentação socioespacial em diversos espaços urbanos de natureza e complexidades diferentes, como têm revelado diversas pesquisas (SPOSITO, 2019), são reveladoras das conexões escalares e do papel que o urbano desempenha no contexto do capitalismo contemporâneo. Lembremos que muitas das crises financeiras que assolaram a vida de milhões de pessoas no século XX, tanto regional quanto globalmente, tiveram raízes na dinâmica dos mercados fundiários e imobiliário, isto é, no processo urbano (SMITH, 2017; HARVEY, 2020).

A globalização e a mundialização fomentaram uma internacionalização do capital comercial sem precedentes, acompanhada de uma maior concentração e centralização dos capitais, redefinindo territórios e articulando cidades e regiões em redes à lógica contraditória da acumulação. A ideologia do consumo e as mercadorias encontradas nos espaços de consumo (hipermercados, supermercados e mesmo em shopping centers) referem-se às necessidades e desejos que são criados, produzidos, e podem ser, ao menos parcial e temporariamente, atendidos. É constante e dinâmica, assim, a "remodelação das geografias de produção e consumo à imagem e semelhança do capital" (HARVEY, 2018, p. 131).

3 O uso capitalista do território pelas empresas de varejo no capitalismo atual

A ideia de "uso capitalista do território" foi proposta por Calabi e Indovina (1992) visando a compreender a transformação do território em função do processo geral de produção capitalista. Para os autores, a "organização do território" só pode ser elucidada se levarmos em conta o "processo de produção capitalista" como um todo, o que equivale dizer que o território é fruto das relações capitalistas de produção e reprodução, influindo sobre elas, e das relações dialéticas e contraditórias entre valor de uso e valor de troca e do conflito entre capital e trabalho. O território é "organizado" por relações de produção capitalistas e assume, assim, uma feição de classes sociais, na qual o controle dessa organização é "resultado de forças complexas, unificadas, porém por uma lógica constante: a ligação existente entre configuração e lógica do desenvolvimento capitalista com as condições históricas dadas (políticas, físicas, sociais, conflituais)" (CALABI; INDOVINA, 1992, p. 59).

O que me parece importante, além disso, é a distinção entre diversos "usos" do território feitos por Calabi e Indovina (1992, p. 58-62). Dos três "usos do território" (processo de produção; circulação e valorização do capital; e reprodução da força de trabalho), o segundo é o mais interessante para minha argumentação, posto que é no processo de circulação e reprodução do capital que reside o papel dos capitalistas comerciais varejistas que utilizarei de exemplo, relacionando-os, no último tópico, com a transformação urbana brasileira a partir das cidades de Juazeiro do Norte (CE) e Ribeirão Preto (SP).

O funcionamento das empresas, no que diz respeito ao uso do território, é resultado de uma grande variedade de condições, agentes e arranjos político-econômicos e sociais. A globalização, como debatemos anteriormente, é uma nova realidade que mudou os fluxos e os fixos espaciais em muitas escalas geográficas. Uma nova divisão internacional do trabalho ganha corpo com a emergência de uma articulada e intrincada rede de processos e relações de poder que se condicionam mutuamente, modificando a produção do espaço e dos territórios. As ações das empresas capitalistas de todos os setores são, assim, impactadas.

O relatório Global Powers of Retailing da Deloitte (2018) é uma importante fonte de dados para os fins de compreensão da dinâmica econômica e espacial do capital comercial. As mudanças nas últimas duas décadas das 250 maiores empresas de varejo do planeta são bastante significativas em termos territoriais e em termos econômicos e organizacionais. Entre 2001 e 2016, a posição das dez maiores empresas se alterou bastante (Quadro 1), ao passo que a variação geográfica, em termos de participação da receita, mostrou uma diminuição das varejistas com sede na América do Norte e Europa e um aumento daquelas sediadas no Leste Asiático, na Ásia e no Oriente Médio e, por último, na América Latina (DELOITTE, 2018).

De acordo com a Deloitte (2018), esse olhar entre o passado e o presente mostra, em primeiro lugar, que o Walmart se manteve na liderança entre as 250 maiores empresas, o que ocorre há mais de 20 anos; em segundo lugar, apenas quatro empresas das dez primeiras do ranking de 2016 estavam no Top 10 de 2001; por fim, em terceiro lugar, a Amazon teve um crescimento impressionante, saindo da 157ª posição, em 2001, para a 6ª posição em 2016, com uma receita de aproximadamente 100 bilhões de dólares.

Esse mesmo relatório permite outras conclusões. Se observarmos bem, veremos, primeiro que os Estados Unidos é o país com a maior quantidade de empresas varejistas no Top 10, com sete empresas, tanto em 2001 quanto em 2016, consolidando assim o seu domínio em termos de origem do capital. Se ampliarmos para o Top 250, veremos que a presença norte-americana é de 87 empresas, sendo que, dessas, 80 são dos Estados Unidos, uma diferença bem significativa dos demais países que estão bem atrás: Japão com 32 empresas, Alemanha com 17, China com 14, e França e Reino Unido com 12 empresas cada um. Em outras palavras, das 250 maiores empresas, 32% delas são estadunidenses, as quais são responsáveis por 45,7% do lucro total de todas as empresas do ranking (DELOITTE, 2018).

Porém, conforme as análises de Coe e Wrigley (2018), a partir do relatório da Deloitte (2015), a Europa é a região mais globalizada em termos de varejo, com 38,6% das suas receitas vindas do exterior, numa média de 16,2% de operações em mercados não domésticos. Já os varejistas dos EUA obtêm 15,4% das receitas do exterior e 8,5% em média de operações em mercados estrangeiros. Os dados mais recentes, referentes a 2016 (DELOITTE, 2018), mostram que, para a Europa, 40,6% das receitas vêm do exterior, com 16,4% em média de número de países em que opera, enquanto, para os EUA, os dados são 13,7% e 9,4%, respectivamente. Constata-se, portanto, que, mesmo o capital varejista estadunidense permanecendo entre as dez maiores empresas nos últimos 15 anos, sua presença global diminuiu, enquanto o capital varejista europeu ampliou sua presença noutros territórios e se globalizou ainda mais.

Quadro 1 – As dez maiores empresas de varejo do mundo em 2001 e 2016, e os países de origem do capital

Ranking 2001 País de Origem 2016 País de Origem
1 Walmart Estados Unidos Walmat Estados Unidos
2 Carrefour França Costco Estados Unidos
3 Ahold Holanda Kroger Estados Unidos
4 Home Depot Estados Unidos Schwarz Group Alemanha
5 Kroger Estados Unidos Walgreens Boot Alliance Estados Unidos
6 Metro Alemanha Amazon Estados Unidos
7 Target Estados Unidos Home Depot Estados Unidos
8 Albertson's Estados Unidos Aldi Group Alemanha
9 Kmart Estados Unidos Carrefour França
10 Sears Estados Unidos CVS Health Estados Unidos

Fonte: Deloitte (2018).

Uma segunda informação significativa é a perda de posições do grupo francês Carrefour. Em 2001, o Carrefour era a segunda maior varejista do planeta, atrás apenas do Walmart, mas, em 2016, caiu para o nono lugar no conjunto das 250 maiores (em 2001 o ranking abrangia as 200 maiores, tendo sido alterado posteriormente), inclusive com alguns resultados negativos, conforme o Quadro 2. A gigante francesa, que tem a difusão do hipermercado no mundo como uma de suas marcas, expressa a "crise da grande distribuição" que vem acometendo outras empresas em todo o mundo.

Por fim, o crescimento extraordinário da Amazon merece atenção pelo fato de ela ter sido uma empresa criada para atuar, sobretudo, no "espaço virtual" da Internet, o que é revelador do papel do comércio virtual (e-commerce) no atual momento de mundialização do capital (ver Tabela 1). Essa tendência crescente de investimento no comércio eletrônico também faz parte da realidade das varejistas em território brasileiro11, conforme a Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC, 2019). Os impactos diferentes no varejo com a Internet, desde pelo menos a década de 2000, com rebatimentos no espaço geográfico, nas formas de compra, nos relacionamentos entre empresas, consumidores e marcas, são notórios (WRIGLEY, 2009).

Tabela 1 – As dez maiores empresas varejistas do mundo em 2016

Ranking das 250 maiores Nome da Empresa País de Origem Receita do Varejo (US$ milhões) Crescimento de Receita do Varejo (em %) Margem de lucro líquido (em %) Retorno sobre os ativos (em %) CARG* da receita de varejo 2011-2016 Número de países em que opera % de receita do varejo de operações no exterior
1 Wal-Mart Stores, Inc. Estados Unidos 485,873 0,8 2,9 7,2 2,7 29 24,3
2 Costco Wholesale Corporation Estados Unidos 118,719 2,2 2 7,2 6 10 27,1
3 The Kroger Co. Estados Unidos 115,337 5 1,7 5,4 5 1 0
4 Schwarz Group Alemanha 99,256 5,3 n/a n/a 7,3 27 61,7
5 Walgreens Boots Alliance, Inc. Estados Unidos 97,058 8,3 3,6 5,8 6,1 10 13,7
6 Amazon.com, Inc. Estados Unidos 94,665 19,4 1,7 2,8 17,6 14 36,8
7 The Home Depot, Inc. Estados Unidos 94,595 6,9 8,4 18,5 6,1 4 8,5
8 Aldi Group Alemanha 84,923e 4,8 n/a n/a 7,7 17 67
9 Carrefour S.A. França 84,131 -0,4 1,1 1,8 -1,1 34 53,2
10 CVS Health Corporation Estados Unidos 81,1 12,6 3 5,6 6,4 3 0,8
  Top 10     1,355,656 4,5 3 6,4 4,5 27,3
  Top 250     4,410,828 4,1 3,2 3,3 4,8 22,5
  Participação do Top 10 nas receitas de varejo do Top 250 30,7              

Fonte: Deloitte (2018, p. 16).

* Taxa de crescimento anual composta;¹ Compostos com ponderação de vendas e ajustados pela moeda

² média e = estimativa; n / a = não disponível;

Coe e Wrigley (2017) argumentam que o foco da distribuição internacionalizada, após a crise de 2007-2008, mudou sob indução da Internet, o que pode ser caracterizado como uma nova era da distribuição globalizada. Várias empresas estão buscando a alternativa virtual como uma estratégia de reorganização econômica e de atuação, uma vez que a operação no e-commerce ajuda, dentre outras coisas, a reduzir custos em muitos setores, como o trabalho físico e as lojas físicas. O Carrefour, por exemplo, em seu plano de transformação global "Carrefour 2022" divulgado em 2018, direciona investimentos no e-commerce, estratégia que está associada à demissão de funcionários e fechamento de lojas na Europa. Além disso, é possível perceber que algumas empresas também têm buscado os investimentos imobiliários como uma estratégia econômica (PEREIRA, 2020).

No Brasil, por exemplo, a internacionalização das empresas de capital varejista ocorre desde a década de 1970, com a instalação do primeiro Carrefour. A partir do final dos anos 1980 e, sobretudo, dos anos 1990, com a abertura econômica para a inserção na globalização, juntamente com a estabilização da moeda e com o controle da inflação, é que a maior parte das empresas estrangeiras se instalam no país (Quadro 2), corroborando as análises de autores especialistas na globalização do varejo (WRIGLEY, 2009; COE; WRIGLEY, 2017) que identificam os anos 1990 como a década em que houve, de fato, um impulso por parte das grandes corporações varejistas em se internacionalizar, na busca de mercados estrangeiros e novos territórios.

Quadro 2 – Histórico da internacionalização do capital comercial varejista do setor de super e hipermercados no Brasil

Empresa Origem Ano de Entrada Modo de Entrada Foco de Atuação Posicionamento Formato Prioritário
Carrefour França 1975 Aquisição Nacional Classe A, B Hipermercado
Sonae Portugal 1989 Joint Venture Regional (Sul) Classe A, B Hipermercado
Walmart EUA 1995 Joint Venture Nacional Classe A, B Hipermercado
Royal Ahold Holanda 1996 Joint Venture Regional (Nordeste) Classe A, B, C Hipermercado
Jerônimo Martins Portugal 1997 Joint Venture Regional (Sudeste) Classe A, B, C Loja de Vizinhança
Casino França 1999 Joint Venture Nacional Classe A, B, C Hipermercado
Cencosud Chile 2006 Joint Venture Regional (Nordeste) Classe C, D, E Loja de Vizinhança

Fonte: Ferreira (2013, p. 245).

Os mercados (e territórios) estrangeiros, foco dos investimentos maciços a partir dos anos 1990, respondem por uma parte importante dos lucros das empresas. Quando observamos a quantidade de países em que cada empresa do Top 10 da Deloitte (2018) opera, bem como a porcentagem da receita das empresas que vêm do exterior, o grau de internacionalização e da importância dos mercados estrangeiros para algumas empresas fica mais visível, enquanto, por outro lado, observa-se que outras empresas, ainda que internacionalizadas, têm boa parte de suas receitas advindas do mercado doméstico. Já no que se refere ao Top 250, as tendências de globalização se mostram pela porcentagem crescente da participação dos mercados estrangeiros, como revelaram Coe e Wrigley (2017, p. 431) a partir dos dados da Deloitte a respeito das vendas globais: em 2005 eram 14,4%, tendo saltado para 22,9% e 24,2% em 2008 e 2013, respectivamente. Para as mesmas 250 maiores empresas, os dados de 2015 e 2016, respectivamente, mostram uma persistência de um decrescimento, com 22,8% e 22,5% (DELOITTE, 2017, 2018).

Essa diminuição do crescimento estrangeiro é um dos aspectos de uma das três dimensões do atual processo de globalização do capital do varejo (COE; WRIGLEY, 2017). Refere-se a uma mudança de dinâmica, de expansionista para um período de retração, em que recuos em investimentos estrangeiros, o foco em mercados-chave e articulação com os mercados financeiros se destacam12. As outras duas dimensões são: mudanças e reavaliações das lógicas da globalização do varejo após a crise de 2007 e 2008, e a expansão internacionalizada baseada no comércio eletrônico (COE; WRIGLEY, 2017).

Ao propor que podemos falar no período contemporâneo de um "espaço nacional da economia internacional", Santos e Silveira (2001) demonstram justamente os nexos e forças que modificam a lógica territorial das diversas sociedades, sobretudo a brasileira. Para Santos e Silveira (2001), isso se refere a um "uso corporativo do território" pelas empresas que é, por isso mesmo, um uso seletivo e hierárquico. A nossa formação socioespacial é, hoje, resultado e condição para o funcionamento do capitalismo global, imperando, assim, uma lógica global no espaço nacional que tem nas empresas globais os principais agentes, principalmente, mas também relacionado ao modo como o Estado age em termos de regulação do território.

No Brasil, as grandes empresas do capital comercial buscaram, por meio da expansão territorial, ampliar suas fontes de rentabilidade. O território se constitui, assim, como um trunfo capaz de expandir as ações e, portanto, as maneiras de capturar mais-valor. Esse é um dos aspectos, mas não é o único. A distribuição geográfica na formação socioespacial brasileira é significativa, e algumas delas já operam na quase totalidade do território, com um grande número de lojas e de funcionários, atreladas a uma diversificação dos tipos de lojas (bandeiras) e muitas delas com capital aberto na Bolsa de Valores, o que significa funcionar e operar em razão das dinâmicas mais globais e com um aumento da dependência dos agentes financeiros.

O Brasil é um dos grandes mercados para várias corporações de varejo. O Carrefour, por exemplo, é uma das empresas que têm o Brasil como um dos seus principais mercados, "belo negócio, que dá entusiasmo", como afirmou o ex-CEO da companhia Georges Plassat, em 2016 (FERNANDES, 2017). As principais empresas varejistas em termos de faturamento e vendas, no Brasil, são hoje corporações transnacionais que operam mediante estratégias diversas.

Os dados disponibilizados pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (2019) revelam que o Carrefour é a maior empresa de varejo no Brasil, enquanto o GPA é o maior dos grupos econômicos. Além disso, as cinco maiores empresas responderam por 28,29% do faturamento total do ranking das 300 maiores, enquanto as 10 maiores representam 37,85% de vendas do total em 2018. O setor com o maior número de empresas no total é o de supermercados, com 136 entre as 300, com um faturamento total bruto de R$ 324,881 bilhões (50,13% do faturamento total das 300 varejistas). Três delas estão entre as dez primeiras (Tabela 2), e as cinco maiores supermercadistas concentram em torno de 45% do faturamento do setor. As duas maiores empresas, Carrefour e GPA, demonstraram expansão de 7,6% e 8,5%, respectivamente, no comparativo 2017-2018. Essas duas empresas correspondem a 8,69% e 12,98% do faturamento total das empresas listadas, respectivamente (SBVC, 2019, p. 38).

Tabela 2 – As dez maiores empresas varejistas em território brasileiro (2018)

Empresas Bandeiras Estrutura do capital Ranking Faturamento em R$ Nº estados Nº de Lojas Nº de funcionários
Grupo Carrefour Brasil¹ Carrefour Hiper, Carrefour Bairro, Carrefour Express, Carrefour Market, Carrefour.com, Atacadão Aberto 1 R$56.343.000.000,00 27 660 84.632
GPA Alimentar¹ Pão de Açúcar, Extra, Assaí Atacadista, Mini Extra, Minuto Pão de Açúcar, James Delivery, Compre Bem, Mercado Extra e Pão de Açúcar Adega Aberto 2 R$53.620.000.000,00 19 1.057 94.000
Via Varejo¹ Casas Bahia, Ponto Frio, PontoFrio, Barateiro, Bartira, Extra.com Aberto 3 R$30.500.000.000,00 21 1.035 44.497
Walmart Brasil⁵ Walmart, Maxxi, Big, Bompreço, Mercadorama, Todo Dia, Sam’s Club Fechado 4 R$24.000.000.000,00 18 400 N.D
Magazine Luiza¹ Magazine Luiza, Luizacred, Luizaseg, Consórcio Luiza, Época Cosméticos Aberto 5 R$18.896.513.000,00 16 954 27.000
Raia Drogasil³ Droga Raia, Drogasil, Farmasil, 4bio e Univers Aberto 6 R$15.519.133.000,00 18 1.825 36.510
Grupo Boticário¹ O Boticário, Eudora, Quem disse Berenice?, The Beauty Box, Multi B Fechado 7 R$13.700.000.000,00 27 4.176 11.876
Lojas Americanas¹ Lojas Americanas, Americanas Express Aberto 8 R$12.959.410.000,00 27 1.490 25.003
DPSP³ Drogaria São Paulo, Pacheco Fechado 9 R$9.998.645.735,00 10 1.319 25.000
Lojas Renner¹ Lojas Renner, Youcom, Camicado, Ashua Aberto 10 R$9.786.838.000,00 27 556 21.376

Fonte: Adaptado de SBVC (2019, p. 46-47).

\1. Dados declaratórios fornecidos pelas empresas, formalmente recebidos e arquivados pela SBVC; OBS: e-mails que as empresas nos enviaram; 2. Dados publicados por entidades setoriais representativas; OBS: Ranking ABRAS; 3. Balanços contábeis publicados pelas empresas; OBS: Balanços que conseguimos no site, Supermercado Moderno e Ranking Exame; 4. Publicações em veículos de notória reputação; OBS: Reportagens; 5. Estimativas feitas pela equipe técnica da SBVC, empregando como critérios a venda média por loja de redes de segmento e perfil similares ou o faturamento por loja divulgado pelas empresas em publicações setoriais, multiplicados pelo número de lojas da rede; Câmbio euro (Média 2018) R$ 4,40; Câmbio dólar (Média 2018) R$ 3,87.

Nota-se que, das 300 maiores empresas listadas no ranking da SBVC, as dez maiores atuam em diversos estados do país, com uma quantidade significativa de marcas (as bandeiras) e com laços distintos em relação ao processo de financeirização (Tabela 2). Nesse ponto, das dez maiores, somente três têm capital fechado. No atual momento de crise, vimos que muitas empresas aproveitaram para reorganizarem suas estratégias. Lembro aqui que, em 2018, o fundo de investimento Advent comprou mais de 80% das operações do Walmart no Brasil e reestruturou sua atuação no território nacional, com mudança de marcas e fechamento de lojas em várias cidades do país, incluindo cidades médias; e em 2020 o Carrefour adquiriu mais de 30 lojas da empresa holandesa Makro: "Essa transação é o movimento mais importante do Grupo Carrefour no Brasil desde a aquisição do Atacadão em 2007", segundo o presidente do Carrefour no mundo, Alexandre Bompard (CARREFOUR..., 2020). Lembremos também a aquisição da Netshoes pelo Magazine Luiza em meados de 2019. Isso vai na direção apontada pela SBVC (2019, p. 38), que, mesmo no contexto da crise, "a tônica, porém, é de ‘pé no acelerador’ e aproveitamento das oportunidades existentes no mercado, seja por meio de aquisições de concorrentes". A crise tem demonstrado, apesar de toda fratura sociopolítica e econômica já conhecida, um campo aberto de possibilidades para o capital. As relações de poder no âmbito da produção e controle do espaço e do território parecem não ter sido abaladas com a crise, tendo, na verdade, intensificado a competitividade e o poder de ação, sobretudo das maiores empresas.

Um processo de "modernização capitalista do território" caracteriza essa expansão geográfica das empresas. Ela é visível, levando-se em consideração a presença de uma maior quantidade de unidades de comércio controladas pelas empresas principais. Essa expansão geográfica, que de fato não foi aleatória, ocorreu com as empresas privilegiando diversos pedaços do território, ainda que seletivos. Essas "escolhas espaciais" (se é que assim podemos chamar) por parte dos capitalistas ocorreram em função de uma melhora considerável da economia brasileira quanto ao crescimento econômico, com resultados importantes em termos de Produto Interno Bruto (PIB), aliados a políticas sociais voltadas para a distribuição de renda, elevação de salário mínimo e concessão de créditos, que juntas contribuíram para a redução das desigualdades sociais entre 2004 e 2014.

Uma série de fatores interligados que constituíram o "reformismo fraco" do "lulismo" (SINGER, 2012) tornou possível uma interiorização de grandes superfícies comerciais e comércios modernos em cidades do interior do Brasil, sobretudo no Norte e Nordeste, regiões que foram mais beneficiadas com as políticas do período, o que aqueceu o consumo das classes populares e média (SINGER, 2012; POCHMANN, 2014).

O varejo no Brasil se modernizou nas últimas décadas, o que reorganizou a geografia comercial e do consumo no país. A formação socioespacial brasileira se articulou com mais notoriedade nas dinâmicas da acumulação do capital em escala global e tornou-se foco de investimentos de capitalistas de outros países. As grandes empresas varejistas contribuíram injetando novos dinamismos econômicos e sociais em regiões e lugares que estavam ainda pouco conectados com determinações mais amplas do modo de produção. O Norte e o Nordeste do país foram alvos de grandes investidas de empresas como Carrefour, Walmart, além de redes de fast-food, como o McDonald’s. As cidades médias foram consideravelmente impactadas com produção de espaços comerciais e de consumo referentes ao varejo, o que tornou mais complexas a rede urbana brasileira e as estruturações dos espaços urbanos (SPOSITO, 2009).

É nesse ponto que vale a pena passar, agora, para a escala urbana, com vistas a explorar as relações entre a urbanização e a dinâmica mais global do capitalismo. A direção que vou apresentar, embora não seja a única, busca evidenciar que, em muitas cidades e regiões, essa incorporação às dinâmicas econômicas multiescalares ocorreu com a produção de novos espaços de consumo.

4 A Transformação Urbana Brasileira no Capitalismo Contemporâneo

O Brasil experimentou, na segunda metade do século XX, um rápido processo de urbanização calcado em um processo de industrialização – herança ainda da "revolução burguesa" de 1930 – atrelado a uma massiva onda de migrações campo-cidade. Uma "revolução urbana" ocorreu paralelamente a uma "revolução demográfica" (SANTOS, 1993).

Um novo regime urbano, nos dizeres de Santos (1993), ganhou corpo com uma difusão crescente do meio técnico-científico, inicialmente com uma maior articulação territorial e produtiva mediante investimentos estatais (estradas, portos, aeroportos etc.) e privados, assentados no consumo como nexo e variável do capitalismo nacional; posteriormente, com a globalização, a urbanização, já a partir dos anos 1980 e principalmente 1990, passou a expressar o meio técnico-científico e informacional, agora com o crédito sendo a variável explicativa, atrelada a um duplo processo de metropolização-desmetropolização assentado em uma nova terciarização (SANTOS, 1993). É nesse contexto que tanto a rede urbana brasileira quanto os espaços urbanos nas suas dinâmicas particulares são transformados sem precedentes.

Essas transformações da urbanização brasileira constituem parte de um processo de reestruturação do espaço geográfico em escala global concernente a uma "nova fronteira urbana" (SMITH, 2007). Gostaria de propor que ampliemos a compreensão da "nova fronteira urbana" para além da gentrificação, inserindo dentro do processo mais amplo de reestruturação do espaço geográfico os espaços urbanos que não apresentam processos que quase sempre são específicos dos países do primeiro mundo e das chamadas cidades globais, mas que se tornaram, de fato, novas fronteiras de expansão do capitalismo global.

Essa "nova fronteira urbana" englobaria, assim, a inserção de cidades médias e pequenas nos circuitos mais globalizados do capitalismo atual, posto que a presença de grandes empresas da produção e, sobretudo, do consumo, bem como da presença inconteste de lógicas neoliberais no que se refere ao mercado de trabalho, da gestão urbana e da vida cotidiana, conectá-la-iam claramente às lógicas que são cada vez mais internacionais.

Uma das maneiras de se compreender a transformação urbana brasileira no capitalismo contemporâneo se dá a partir dos usos do território pelas empresas do capitalismo comercial varejista. Isso vem sendo importante para inserir, de maneira mais efetiva, cidades médias e pequenas em âmbitos mais largos dos circuitos de acumulação e valorização do capital mundializado. Espaços urbanos do interior do Nordeste brasileiro, como Juazeiro do Norte e Sobral, no Ceará, Mossoró no Rio Grande do Norte, e Petrolina/PE-Juazeiro/BA, por exemplo, assumiram novos papéis no contexto atual (PONTES, 2012; PEREIRA, 2018). Cidades de outros estados e regiões do Brasil não fugiram à regra, embora sua inserção e seus papéis, tal como as cidades nordestinas, tenham se dado diferencialmente em termos econômicos (SPOSITO, 2009; SPOSITO; GOES, 2015; MELAZZO, 2018).

As articulações entre escalas nessas mudanças parecem evidentes. Qualquer transformação em nível da escala urbana tem alguma conexão com transformações mais amplas da reestruturação do espaço geográfico. Porém essas mudanças não são mecânicas. O tempo também constitui um forte elemento de distinção e compreensão desses processos. Isso quer dizer que "devemos esclarecer não apenas a localização, mas também a temporalidade desta profunda transformação urbana" (SMITH, 2007, p. 20). Essa questão do tempo é importante por articular diferentes temporalidades nos processos, aspecto que Santos (1996) tratou muito bem. Ao reconhecer a importância do tempo, Pierre Veltz (2009, p. 155) assinala que

os tempos da cidade são inúmeros. Se a vida citadina se inscreve em primeiro plano nas temporalidades curtas – os ritmos cotidianos ou semanais que cadenciam as práticas ordinárias – a cidade é também o lugar onde essas temporalidades curtas se ligam a temporalidades muito mais amplas.

A seu ver, o tempo e a temporalidade são, assim, como marcadores de grande importância, se quisermos compreender alguma coisa a respeito da transformação urbana no capitalismo.

Muitos exemplos poderiam ser listados das ligações entre as cidades e as dinâmicas mais globais do capitalismo. Anteriormente mencionei en passant que a urbanização chinesa atual e a interligação do espaço nacional chinês por um conjunto de sistemas de infraestruturas (ferrovias, autoestradas, aeroportos e cidades inteiras) se tornou um importante canal de absorção dos fluxos de capital excedente, ao mesmo tempo em que contribuiu para o deslocamento geográfico da acumulação de capital relacionada com a crise de 2007 e 2008 (SMITH, 2017; HARVEY, 2020, p. 9-14; p. 337-343). Poderíamos mencionar, ainda, três casos para deixar a ilustração mais completa dessa relação entre escalas: a transformação de Paris, na reforma de Haussmann; o conjunto de investimentos no processo de suburbanização nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, que também tem paralelos ao que atualmente ocorre na China, como Harvey (2020) muito bem demonstrou; e o caso do Brasil com os pacotes de investimentos que incluíram o meio ambiente construído para conter os avanços da crise internacional em 2009, com destaque para o programa habitacional "Minha Casa, Minha Vida" (ROLNIK, 2015; MELAZZO, 2018).

Essas assertivas lembram a ideia de Lefebvre (2008b) de que a cidade é uma "mediação" entre a "ordem próxima" e a "ordem distante", sendo, portanto, resultado de agentes globais e de agentes locais. Como esses processos se tornam visíveis nas cidades é algo que já é um tanto conhecido, principalmente quando o foco da análise são os espaços metropolitanos, considerados por muitos como a mediação essencial entre o processo de reprodução do espaço e a acumulação do capital (p. ex. CARLOS, 2015; BRANDÃO, 2017).

Todavia, em virtude da planetarização do urbano e da urbanização da sociedade, é salutar lançar luz sobre como as cidades que fazem parte do sistema urbano que não constituem espaços metropolitanos, como muitas cidades médias e pequenas no Brasil (apesar de existirem críticas sobre essas denominações), se situam diante das transformações mais amplas e como, evidentemente, são impactadas com elas. Nesse sentido, Silveira (2015, p. 180) afirma que

[...] é preciso insistir na relevância dos estudos sobre a diversidade de manifestações do fenômeno urbano para evitar o risco de olhar apenas as metrópoles na atual divisão territorial do trabalho e de formular uma interpretação a-histórica da formação socioespacial e dos sistemas urbanos.

Embora seja consensual a importância dos espaços metropolitanos no que concerne à compreensão do capitalismo globalizado, é importante frisar que mudanças significativas vieram a modificar cidades de outros estratos da rede urbana. Isso explicaria a multiplicação de estudos sobre cidades médias e pequenas, posto que a compreensão do urbano contemporâneo exigiria, destarte, uma análise mais pormenorizada de como esse urbano se revela, suas formas, funções, estruturas, qualidades, conteúdos e ritmos, em espaços não metropolitanos. Com as novas determinações do modo de produção e de um consumo mais difuso, tornou-se possível compreender os papéis desses espaços urbanos nas dinâmicas regionais e nacionais no Brasil das últimas décadas.

A relação entre produção e consumo no mundo atual, nesse sentido, é importante por dois motivos: por um lado, a multiplicação e expansão de espaços comerciais e de consumo nas cidades brasileiras, principalmente as cidades dos estratos intermediários da rede urbana; por outro lado, a expansão territorial das empresas de capital comercial internacional que usam o território para a extração de mais-valor mediante estratégias espaciais e escolha de lugares que possibilitam uma maior rentabilidade para os negócios em um contexto de centralização do capital, de financeirização e de expansão do consumo das classes populares e médias.

Os processos de concentração e centralização dos capitais varejistas estão associados a processos de desconcentração territorial das atuações dessas empresas. A relação dialética entre concentração e centralização econômicas e espaciais é abordada por Smith (1988), e Sposito e Sposito (2017) a constataram ao analisar as lógicas escalares que constituem as estratégias de grandes empresas do comércio varejista no Brasil. Nesse sentido, compreende-se que, nas estratégias espaciais que articulam desconcentração territorial e centralização dos capitais varejistas, abre-se uma "nova fronteira urbana" para a acumulação do capital comercial. As cidades médias, assim, poderiam ser compreendidas como "espaços rentáveis" pelo fato de oferecerem as novas oportunidades de lucratividade para as empresas no território nacional na medida em que elas se expandem (PEREIRA, 2018, p. 431). Inspiro-me em Santos (1996, p. 97), que argumentou o seguinte:

Os lugares se distinguiriam pela diferente capacidade de oferecer rentabilidade aos investimentos. Essa rentabilidade é maior ou menor, em virtude das condições locais de ordem técnica (equipamentos, infra-estrutura, acessibilidade) e organizacional (leis locais, impostos, relações trabalhistas, tradição laboral). Essa eficácia mercantil não é um dado absoluto do lugar, mas se refere a um determinado produto e não a um produto qualquer.

Do ponto de vista da cidade, a nova dinâmica da globalização do varejo produziu uma geografia comercial e de consumo urbano distinta. Novos espaços comerciais e de consumo foram produzidos nas cidades, alguns nas periferias, outros em áreas de centralidade já consolidadas no tecido urbano. As estratégias das empresas, no que diz respeito à sua expansão territorial, suas estratégias de fusão e aquisição, bem como pelo lançamento de plataformas de e-commerce e de franquias, adentraram o território nacional inserindo as cidades de forma cabal na lógica da mundialização do capital.

O acontecer da vida urbana foi bastante alterado nas cidades médias brasileiras nas últimas décadas. As relações que conectam o global e o local e os processos advindos de novas técnicas produtivas e de uma circulação de bens e serviços mais veloz passaram a interferir na vida social desses espaços urbanos, por isso "os sistemas de cidades constituem uma espécie de geometria variável, levando em conta a maneira como as diferentes aglomerações participam do jogo entre o local e o global" (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 281).

Toda a gama de possibilidades advindas do crescimento econômico e inclusão social via consumo no início do século XXI conectou de forma mais cabal a vida de relações de cidades que até poucas décadas atrás tinham um papel quase que exclusivamente regional às dinâmicas da globalização e à urbanização planetária. Seja pela produção, seja pelo consumo, novas relações se estabelecem nos sistemas urbanos, e com isso espaços urbanos não metropolitanos acabaram por ter uma maior participação na vida econômica, social e política da formação socioespacial brasileira.

Cidades como Juazeiro do Norte e Ribeirão Preto, no Ceará e em São Paulo, respectivamente, ajudam a evidenciar e a clarificar melhor essas ideias. De acordo com a estimativa do IBGE de 2019, Juazeiro do Norte tem uma população de 274.207. Já Ribeirão Preto tem uma população de 703.293. Em ambas as cidades, há uma forte participação do setor terciário na economia, girando em torno de 70% do PIB municipal, e de significativo crescimento nas duas primeiras décadas deste século. Destaca-se que Ribeirão Preto tem uma forte participação do agronegócio, que acaba por dinamizar a economia urbana e articular escalas de uma maneira significativa.

Focalizo essas duas cidades pelo fato de serem expressivas em termos econômicos, políticos e culturais em suas respectivas regiões e por centralizarem atividades comerciais, de serviços e industriais importantes. Ambas são citadas no "Ranking das Melhores Cidades para Fazer Negócios", elaborado anualmente desde 2014 pela consultoria Urban Systems, em parceria com a Revista Exame e destinado a diversos segmentos do mercado13. Além disso, as duas foram objeto de estudos anteriores por mim realizados e, portanto, representam bem o que estou argumentando14. Podemos dizer que, na qualidade de cidades médias, constituem-se cada uma, ao seu modo, como "intérpretes da técnica e do mundo" (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 281), tanto pelos seus papéis desempenhados em termos regionais, quanto nas suas ligações com a globalização. Meu intuito não é aqui analisá-las com profundidade, mas sim tomá-las como exemplos empíricos e concretos de manifestação da urbanização planetária que, no mundo contemporâneo, explodiu para além dos limites dos espaços metropolitanos (se é que já estiveram contidos neles) e já alcança o mundo inteiro.

As transformações do urbano que vêm ocorrendo nessas cidades servem de constatação de uma afirmação de Santos (1993) sobre as tendências da urbanização brasileira no final do século passado. Para ele, a passagem de uma "urbanização da sociedade" para uma "urbanização do território" já era nítida na década de 1990. Isso quer dizer que um conjunto de elementos que qualificariam a urbanização da sociedade já se difundia no território nacional, alcançando, assim, cidades médias e pequenas, inserindo-as no seio do processo de circulação e valorização do capital mais amplo. Trata-se, poderíamos dizer, de "novas geografias da urbanização" que extrapolam barreiras, cidades e regiões e se relacionam com o processo de destruição criativa do capitalismo (BRENNER, 2014).

Em um estudo que buscou compreender a urbanização brasileira no início do século XXI e o papel das cidades médias na rede urbana, Santos (2010) chamou a atenção para a associação dessas cidades, de um modo geral, ao crescimento do setor de serviços em paralelo com a diminuição do peso da indústria na economia nacional. Embora a autora faça sua análise tomando o recorte populacional de 100 mil habitantes como recorte mínimo (recorte arbitrário, segundo reconhecido pela própria autora, mas que ajuda na compreensão do fenômeno estudado) e distinga as cidades médias em duas categorias (as metropolitanas e as não metropolitanas), são apontadas evidências empíricas importantes da transformação territorial do Brasil no que tange aos processos urbanos.

As cidades de Juazeiro do Norte e Ribeirão Preto, como parte de regiões distintas da formação socioespacial, receberam investimentos diversos, públicos e privados (PEREIRA, 2018, p. 227-233; 282-288), que refletem o contexto de crescimento econômico da economia brasileira na primeira década do presente século. Essas cidades são exemplos concretos da dinâmica urbana e regional que reverberou nos espaços urbanos e na vida de relações regionais e suas articulações globais. Santos (2010) revela que, entre 2000 e 2009, os dados oficiais apontam para uma mudança na dinâmica da rede urbana e regional brasileira com uma participação distinta das cidades médias nas diversas regiões, em razão do crescimento da atividade comercial e de serviços, juntamente com o impacto das políticas de transferência de renda e a criação de novos postos de trabalho, em que pese o nível de precariedade dessas cidades, comparadas aos espaços metropolitanos. Os parágrafos abaixo resumem as assertivas de Santos (2010).

Do ponto de vista das desigualdades de renda, nas regiões Norte e Nordeste os rendimentos por chefe de família nas cidades médias não metropolitanas era menor que nos espaços metropolitanos (leia-se, regiões metropolitanas compostas pelas capitais estaduais), o inverso das demais regiões, que apresentou um grande dinamismo e elevação do nível dos rendimentos das famílias em cidades médias. Isso indica que no Sudeste e no Sul as cidades médias fora de regiões metropolitanas surgiram como alternativa para população, aumentando os rendimentos dessas cidades, enquanto no Norte e no Nordeste os rendimentos mais elevados permaneciam ainda concentrados nas metrópoles.

Os dados para o mesmo período em relação à precariedade de vida demonstram que, de um modo geral, as cidades médias não metropolitanas têm um maior nível de precariedade das condições de vida em comparação aos espaços metropolitanos, ainda que com bastante heterogeneidade do ponto de vista do território nacional. As cidades médias situadas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste apresentaram um indicador de precariedade bem mais elevado que as do Sul e Sudeste, daí que "onde há maior dinamismo econômico, há baixo grau de chefes de família vivendo em situação de precariedade, ocorrendo o contrário onde é menor o dinamismo econômico" (SANTOS, 2010, p. 111).

Por fim, em relação à geração dos postos de trabalho, ainda que as regiões Sudeste e Sul tenham criado mais empregos, foi no Nordeste, nas capitais e cidades médias não metropolitanas, que se constatou o mais significativo avanço, refletindo-se, assim, as políticas sociais já mencionadas neste artigo. Já no Sudeste, constatou-se que o dinamismo da geração de empregos na primeira década do presente século foi muito mais favorável às cidades médias fora das regiões metropolitanas, indicando um processo de desconcentração espacial dos empregos (SANTOS, 2010, p. 112-113).

Esse quadro heterogêneo da dinâmica urbano-regional brasileira possibilitou a expansão das empresas varejistas para as cidades médias de várias regiões, e notadamente para o Nordeste. Juazeiro do Norte e Ribeirão Preto apresentam dinâmicas espaciais e urbanas bastante interessantes para se compreender os papéis das cidades médias em distintas regiões do Brasil. Além disso, às contradições sociais e espaciais que são marcas características da dinâmica do modo de produção capitalista na nossa formação socioespacial, tais como as desigualdades socioespaciais, a pobreza e a miséria, acrescentam-se uma "nova pobreza" (cada vez mais articulada com o processo de financeirização e incluída na lógica do consumo), o individualismo que caracteriza a sociedade neoliberal e a precarização do trabalho vigentes.

Em Juazeiro do Norte e Ribeirão Preto, isso se tornou bastante nítido. Na cidade paulista, a produção de espaços de comércio e consumo, como hipermercados e shopping centers, começou ainda nos anos 1980, enquanto na cidade cearense esses espaços comerciais apareceram no final dos anos 1990 e se multiplicaram após os anos 2000. Em Juazeiro do Norte, os espaços comerciais das empresas Carrefour, Walmart e Casino, com as bandeiras do Atacadão, Maxxi e Assaí, respectivamente, surgiram entre 2009 e 2013, enquanto Ribeirão Preto, por sua vez, foi a primeira cidade do interior do Brasil a ter um hipermercado do Carrefour. Até 2016, na cidade cearense existiam quatro grandes superfícies comerciais, além de um shopping center, enquanto na cidade paulista encontravam-se 16 unidades das três maiores empresas varejistas nacionais, em diversos formatos e tamanhos (lojas de vizinhança, super e hipermercados e atacarejos), além de quatro shopping centers. É importante observar que unidades das outras empresas que estão entre as dez maiores do país encontram-se nas duas cidades (Lojas Americanas, Magazine Luiza, Boticário etc.) e que redes regionais do capital comercial também disputam os espaços, buscando estratégias de atuação que tentam fazer frente aos grandes capitais internacionais do setor.

É possível perceber aqui que a questão da temporalidade no desenvolvimento geográfico desigual é importante e que a urbanização planetária e a globalização alcançam de forma diferentes os diversos lugares. Essas formas espaciais sinalizam a existência de uma "sociedade burocrática do consumo dirigido" tal qual conceituada por Lefebvre (1991), baseada numa ideologia do consumo, o qual passa a organizar o cotidiano no contexto de uma racionalidade cada vez mais dirigida pela lógica do capital.

Essas duas cidades, e muitas outras, como diversas pesquisas têm mostrado (SPOSITO; 2009; SPOSITO; GÓES, 2015), tiveram mudanças significativas em suas morfologias urbanas, com um processo de reestruturação espacial que tornou mais complexa a vida social na cidade. A redefinição da centralidade urbana, relacionada a determinações econômicas do capitalismo pós-fordista, tem relação ainda com o uso do automóvel e a importância do lazer e do consumo, além das novas localizações dos equipamentos comerciais e de serviços (SPOSITO, 2010).

Três processos se relacionam na redefinição da centralidade em direção a uma "multi(poli)centralidade urbana" (SPOSITO, 2010). Em primeiro lugar, os interesses da valorização fundiária e imobiliária nas áreas próximas aos limites das cidades; em segundo lugar, a concentração econômica dos grupos econômicos do setor comercial e de serviços associados às novas localizações residenciais; por fim, em terceiro lugar, as mudanças nas políticas de localização industrial no contexto do pós-fordismo (SPOSITO, 2010, p. 206).

Esses três processos, lembra Sposito (2010, p. 206-207), relacionam as novas localizações comerciais e de serviços nos espaços urbanos às novas lógicas de localização residencial, que sinalizam para novas práticas de consumo cotidiano mediante o uso do automóvel e, hoje, aos usos de tecnologias de informação, cada vez mais presentes na vida social como uma característica da era urbana contemporânea. Os interesses fundiários terminam por, de certo modo, direcionarem ou fundamentarem esses processos, pois "os interesses comerciais e imobiliários tornam viável o desenvolvimento de novas escalas de distribuição pela instalação de grandes centros comerciais e/ou hipermercados na periferia das cidades e em certos nós rodoviários" (SPOSITO, 2010, p. 209).

As duas cidades aqui abordadas exemplificam as relações entre transformação urbana e globalização. São "cidades médias em processo globalização", para cunhar uma expressão de Sposito (2009), ao se referir que as manifestações da globalização em cidades médias se notam muito mais pelo consumo do que pela produção. Os vultosos investimentos comerciais e imobiliários nessas cidades nas duas últimas décadas expressam justamente como os espaços urbanos não metropolitanos apresentam complexidades e contradições mais aguçadas relacionadas às novas dinâmicas da globalização contemporânea (PEREIRA, 2018). Como diria Milton Santos (1996, p. 252), "cada lugar é, à sua maneira, o mundo".

A transformação urbana no Brasil, nas últimas décadas, e nas cidades médias, em particular, nos dois últimos decênios, tem marcas do crescimento econômico e da ideologia do consumo. Por meio dos espaços comerciais e de consumo produzidos pelas grandes empresas do capital internacional no uso do território, uma nova condição urbana se revela como segregada e fragmentada em termos de práticas espaciais de consumo, de trabalho e de usos do espaço e tempo urbanos.

Nesse processo é possível observar que "o lugar reproduz o País e o Mundo segundo uma ordem. É essa ordem unitária que cria a diversidade, pois as determinações do todo se dão de forma diferente, quantitativa e qualitativamente, para cada lugar" (SANTOS, 1996, p. 100). A "ordem próxima" e a "ordem distante", segundo Lefebvre (2008b), efetivam-se plenamente na produção do espaço urbano. Assim, no espaço e no tempo da "era urbana", nos dizeres de Lefebvre (2008b, p. 87), constatam-se que "redes e fluxos extremamente diferentes superpõem-se e se imbricam, desde as redes viárias até os fluxos de informações, desde o mercado de produtos até as trocas de informações".

5 Considerações finais

As configurações espaciais que surgiram no Brasil no final do século passado e início do atual revelam articulações mais complexas com o fenômeno urbano, o uso do território e a globalização. Toda uma série de transformações que mencionamos serviram para dar uma nova cara para o espaço geográfico no plano da formação socioespacial. Esse fato pode ser constatado em diversas escalas geográficas, levando-se em consideração a dialética das continuidades e descontinuidades no plano espaço-temporal do capitalismo.

O processo de urbanização foi redefinido em suas formas, conteúdos e vetores, foram inseridos na sua avassaladora transformação global espaços urbanos que se situavam um tanto marginalizados no que diz respeito à maneira como o urbano passou a se manifestar tanto mundialmente como no Brasil. Ainda nos anos 1970, Lefebvre (2008a, p. 125) afirmou que "a problemática urbana é mundial, mas a maneira de abordá-la depende da estrutura econômica, social, política dos países, assim como das superestruturas ideológicas", o que deixa claro que não há uma homogeneização do processo urbano, mas sim uma relação complexa de uma tendência que se manifesta mundialmente com suas especificidades nacionais e mesmo locais.

Essa problemática urbana em nível global tem conexões claras com as crises do capitalismo no último quartel do século XX e, de forma um tanto reveladora, com a globalização crescente que emergiu como uma nova rodada de produção capitalista do espaço. É nesse contexto que os capitais comerciais que estão situados de maneira mais clara no âmbito do processo de circulação do capital, por vezes em associação com outras frações do capital ou mesmo em contradição com elas (veja-se o exemplo das relações entre varejistas e a financeirização), galgaram uma expansão significativa para muitos países. Atualmente, boa parte das receitas dessas empresas advém de outros países, e tal fato nos mostra como os usos dos territórios para a extração de mais-valor continua sendo algo de grande importância para se compreender o funcionamento do modo de produção, ainda que neste artigo tenhamos focado um ângulo específico, o do comércio varejista e das empresas que de tal setor se ocupam.

Esses usos do território, como procurei demonstrar, têm heterogeneidades em termos regionais e modificam a dinâmica urbana-regional de maneira bastante específica, denotando, no caso da formação socioespacial, uma unidade na diversidade. No contexto da expansão para outros países, e posteriormente relacionadas a um certo uso do território já estabelecido, as condições econômicas, sociais e políticas permitiram que o urbano se estendesse até espaços que ainda tinham uma vida de relações predominantemente situadas na esfera local e regional, com poucas conexões e relações ao nível global. As empresas do capital comercial que se expandiram territorialmente, ao passo que se concentravam e se centralizavam do ponto de vista do capital, trouxeram para sua órbita de funcionamento cidades médias e, em alguns casos pequenas, influenciando reestruturações das cidades (novos vetores de expansão urbana, valorização fundiária, novos espaços residenciais, principalmente os "condomínios fechados", novas áreas de centralidade etc.) e reestruturações urbanas, modificando as hierarquias e redes urbanas, conforme a conceituação de Sposito (2007).

O contexto da inserção em massa de pessoas antes marginalizadas à dinâmica do consumo no Brasil pavimentou, em alguns casos, o caminho para uma penetração massiva de grandes empresas para o interior do território. A ideologia do consumo desempenhou um papel importante na inserção de cidades médias e pequenas nos circuitos de acumulação global mediante a presença de espaços comerciais e de consumo do grande capital. Franquias diversas de alimentação, cinemas, supermercados e hipermercados, além dos shopping centers que antes se concentravam nas metrópoles, passaram a fazer parte da paisagem das cidades e do cotidiano urbano de milhões de pessoas.

É claro que a situação que o Brasil se encontra atualmente, de ampliação da pobreza e das desigualdades sociais e espaciais, é diferente de uma década atrás. A radicalização do neoliberalismo e de uma atuação do Estado no sentido de favorecer a construção de um "bom clima de negócios" e tudo o que isso significa em relação à vida dos trabalhadores (precarização, retirada de direitos, reformas neoliberais etc.) ocorrem no contexto de uma descontinuidade em relação ao crescimento socioeconômico que o país galgou a partir da década de 2000.

Penso que essa descontinuidade do crescimento econômico na formação socioespacial desde 2015 implica continuidade do modo de produção capitalista no Brasil e que a maneira em que as situações estão configuradas, numa grave crise social (aprofundada pela pandemia do novo coronavírus), requer que fiquemos atentos para os desdobramentos sociais, econômicos e políticos, os quais poderão revelar mudanças ou continuidades das estratégias espaciais, econômicas e de usos do território das empresas dos diversos setores, incluindo as varejistas.

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1 Para a elaboração deste texto utilizei reflexões e pesquisas desenvolvidas durante a realização do mestrado, do doutorado e do pós-doutorado. Portanto agradeço às agências que financiaram essas pesquisas, notadamente à FAPESP (processos 12/04108-8 e 13/26896-0, respectivamente ao mestrado e doutorado) e à Capes (Bolsa do Programa Nacional de Pós-Doutorado, em 2018).

2 Doutor e mestre em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus Presidente Prudente/SP, Professor do Colegiado de Geografia da Universidade de Pernambuco (UPE), Campus Petrolina. E-mail: clasmalley@hotmail.com. Orcid: http://orcid.org/0000-0002-4624-4057.

3 Para citarmos ao menos um indicador, o índice de Gini caiu sistematicamente, segundo dados oficiais do IBGE, de 0,555 para 0,495, entre 2004 e 2013, como destacou Melazzo (2018, p. 155). Do ponto de vista das desigualdades territoriais e em múltiplas dimensões, Arrecthe (2015) é referência fundamental.

4 Tal quadro é, como se sabe, muito diferente atualmente, desde que a crise iniciada ainda no governo da ex-presidenta Dilma Rousself (2011-2016) resultou no seu impeachment, seguido pela escalada de políticas neoliberais de maneira mais radical e implementadas de maneira sistemática desde Michel Temer (2016-2018) até o atual governo de Bolsonaro.

5 Esse período da história recente da formação socioespacial brasileira, basicamente entre os anos de 2003 e 2015, sem negligenciar os períodos anteriores e mesmo o atual contexto de crise, foram temas de importantes análises nos últimos anos. Menciono, a título de exemplo, as obras de Singer (2012) e Pochmann (2014).

6 Trata-se das cidades de Juazeiro do Norte, no Ceará, e Ribeirão Preto, em São Paulo, que serão apresentadas na parte final deste texto.

7 A literatura a esse respeito é vasta. Contento-me em indicar ao leitor as seguintes obras: Becker (1995), Harvey (2008), Soja (1993), Santos (1996), Santos e Silveira (2001) e Diniz (2019).

8 Os trabalhos de Harvey (2008), Santos (1996), Swyngedouw (1999), Chesnais, (2005) são alguns dentre muitos que apontam na direção de uma dominância do capital financeiro na economia, na sociedade e na política.

9 Para Becker (1995), a nova Geopolítica, na virada do milênio, basear-se-ia em uma racionalidade que se constituiria, de um lado, uma nova disparidade entre Estados e territórios em termos de logística e tecnologia, na esteira da revolução científico-tecnológica; e, por outro lado, uma politização da natureza como uma forma segundo a qual os diversos Estados baseiam suas estratégias de dominação e de poder mundial.

10 A gentrificação se refere ao processo de transformação de áreas centrais de cidades do capitalismo avançado que remetem a uma nova etapa do processo urbano. Rotineiramente é entendida como "enobrecimento urbano", pois se refere, grosso modo, a um retorno das classes médias e altas aos espaços centrais das cidades, o que tem implicações sociais, econômicas e políticas importantes. Sobre esse tema, ver Smith (2007).

11 No contexto da atual crise do novo coronavírus, algumas empresas têm registrado uma ampliação do seu valor de mercado. Varejistas como BW2 (dona das marcas Submarino e Shoptime), Magazine Luiza, Via Varejo, estão entre elas. A atuação no e-commerce é apontada por analistas do mercado como o principal fator explicativo dessa valorização das ações de tais empresas. Confira-se, a esse respeito, a matéria de capa do Estadão de 28 de junho de 2020, cujo título é representativo: "‘Efeito Amazon’ faz grupo de empresas lucrar apesar da crise".

12 Em relação às ligações do comércio varejista com a financeirização, conferir Baud e Durand (2012) e Benquet e Durand (2016).

13 Sobre os rankings da consultoria Urban Systems, consultar: Melhores... (2020).

14 Para uma análise mais detalhada destas duas cidades no contexto de uma nova condição urbana no Brasil, consultar Pereira (2018).

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ISSN 2317-3254